SALADA CAPRESE frankly, my dear, I don't give a damn.

BBB

Como um amante da cultura pop nacional, eu sempre fui um grande entusiasta do BBB. Depois de ter passado alguns anos fora do Brasil, retornei em 2018. Voltei a acompanhar o programa na temporada de 2019, uma temporada fraca, mas que ainda mostrava um surpreendente fôlego na programação televisiva nacional. Pessoalmente, acredito que grande parte da responsabilidade de sustentar o programa na época era de Thiago Leifert, até hoje o melhor apresentador que já apareceu naquela casa.

Em 2020, algo aconteceu: Rafael Portugal entrou no programa, estrelando o “CAT BBB”, um quadro de comédia que simplesmente aloprava não só os participantes, como o próprio programa: algo impensável no BBB do Velho Testamento e até mesmo na própria Rede Globo. Alguém lá dentro entendeu que aquilo era um programa de humor; o BBB parou de se levar tanto a sério, teve a melhor temporada de todos os tempos em 2020 e simplesmente EXPLODIU em popularidade em 2021.

Era isso: o programa abraçou a galhofa. Isso trouxe uma audiência mais jovem e melhorou a qualidade do programa no geral.

Mas ainda assim, constantemente, o próprio programa fica lembrando dentro e fora da casa que aquilo é um jogo.

E como jogo, ele é péssimo. Ele é recheado de provas chatíssimas e dinâmicas patéticas. A cada domingo, ele desperdiça precioso tempo de horário nobre em pessoas gritando números até acertar, em jogos repetitivos de sorte. Os patrocinadores não parecem se importar ou sequer se esforçar minimamente para melhorar o conteúdo que está sendo exibido.

Vez ou outra o programa acerta: principalmente as provas de resistência são muito justas, divertidas, e com inserções de produtos bem astutas. Além disso, a edição de 2024 teve provas do anjo muito legais, o que é um absurdo: parece que as dinâmicas que não passam na TV não têm uma pressão tão forte dos patrocinadores e permitem uma maior liberdade para testar e criar dinâmicas mais legais.

O problema das plantas

Porém as provas internas não são a pior coisa atualmente. A dinâmica de eliminação já não faz mais sentido no BBB do Novo Testamento.

Isso porquê hoje o programa fatalmente acaba simplesmente sequestrado por torcidas compostas por fanáticos desempregados que decidem (coletivamente, mas por conta própria) o rumo do programa. A Globo, não querendo perder os centavos que ela fatura nas pageviews do voto de torcida, não pretende retirar essa dinâmica tão cedo. E as torcidas não tendem a ficar menos obsessivas com o tempo: uma lição que o Brasil já me ensinou é que esse comportamento só deve piorar. Considerando ainda que dificilmente o público troca de favorito, preferindo arrumar desculpas para o comportamento abusivo de seu personagem do que largar a mão dele, a tendência é que o programa fique cada vez mais previsível e o final dele chegue cada vez mais cedo.

Esse é um problema sem solução. O voto popular é a base do jogo e isso não vai e nem deve mudar. Boninho devia então estar passando noites acordados se debruçando em modelos matemáticos para descobrir como contornar essa limitação ou ao menos postergar o inevitável momento onde o jogo acaba aqui fora antes de acabar dentro da casa.

Eu, pessoalmente, adoraria estar programando esses modelos matemáticos e simulações, mas não vou me dedicar a essa trabalheira de graça (Boninho, me contrata, eu sou bom nessas coisas). A única solução que eu consigo pensar sem um estudo mais aprofundado é a mais óbvia (tão óbvia que o BBB 24 flertou com ela): o voto para ficar.

O voto para sair me incomoda desde o icônico paredão Manu Gavassi x Prior, que marcou também a primeira das (até agora) três vezes em que eu desprendi meu tempo para votar no programa. Enquanto as duas torcidas brigavam entre si naquele paredão triplo, uma terceira personagem que ninguém se lembra e que não faria diferença na atração ficou lá, intocável. O voto para ficar resolveria esse problema, eliminando rapidamente as plantas do programa e deixando na casa os participantes com os enredos mais interessantes.

quase um bilhão de votos à frente do segundo colocado (https://twitter.com/BbbStats)

Mas não é só essa a vantagem da adoção definitiva do voto para ficar. Como estratégia de jogo, ele resolveria outro problemão que é a punição externa para quando alguém faz uma boa jogada internamente.

Vou explicar: fatalmente o jogo chega em um momento onde todos os participantes se encontram divididos em dois grupos. Quando isso acontece, o paredão triplo geralmente é formado por dois membros de um grupo e um membro de outro. Assim, o membro que está sozinho recebe em si a concentração dos votos do outro grupo, enquanto a torcida dele acaba dividindo o voto entre os outros dois. Uma jogada interna que seja esperta e que coloque dois inimigos em um paredão acaba sendo, então, uma tática burra, já que o membro solitário tem uma maior chance de eliminação. É claro que isso não resolveria o problema da previsibilidade de uma final, mas deixaria na casa por mais tempo a maior quantidade possível de personagens interessantes.

Abraço à crueldade

Outra forma de melhorar o programa é a adição de um pouco mais de sadismo no seu conteúdo. A edição deste ano testou um pouco disso com uma dinâmica de triturar cartas escritas pelas famílias dos participantes na frente deles, com resultados extremamente positivos, tanto em reações dos participantes quanto em resposta do público. Infelizmente, a ousadia terminou aí e eles não tentaram mais nada, mantendo as atividades no velho marasmo de rotular participantes e contar historinhas.

cinema

O BBB devia ser ainda mais cruel, para deixar claro para todo mundo lá dentro que aquilo não é uma colônia de férias. A divisão entre VIP e Xepa é excelente, mas quem está na Xepa não sofre tanto assim. Eles deviam limitar suas refeições a ração humana ou aquela gororoba que é servida em edições internacionais do programa.

Isso liberaria outro fator que ninguém fora da casa se importa: as estalecas. A moeda interna do programa não serve para muita coisa, sendo apenas uma forma de controle do comportamento errôneo dos participantes. Punir uma participante com 500 estalecas (como aconteceu diversas vezes na edição 2024) tem pouco ou nenhum efeito dentro ou fora da casa. Foda-se, seria a mesma coisa que tirar deles dinheiro do Banco Imobiliário ou pó de pirlimpimpim, ninguém se importa.

Certamente essas punições graves não passariam batido se, ao invés de moeda imaginária, eles fossem punidos com descontos no valor final do prêmio. Uma vez que o programa adotou de vez o conceito de prêmio flexível, eles poderiam estender essa idéia. Uma punição gravíssima, como uma participante tomou por roubar um copo ou por derrubar uma celebridade, poderia ter como conseqüência a diminuição de 50 mil reais do prêmio final, o que traria um problema real a quem cometeu essas infrações lá dentro, ampliando inclusive as brigas internas.

#BBB24

Mas não foi só esse o problema desta última edição.

Uma edição com o melhor elenco que eu já vi, com confrontos quase diários, jogadas muito bem feitas e personagens cativantes. E com a pior produção de programa já feita.

Sem informações externas, os jogadores devem jogar apenas com as informações e respostas que lhe são dadas pela equipe. Assim, a produção deve ser muito cuidadosa com a forma e conteúdo do que é passado para dentro da casa. E eles erraram muito nesse ponto, tanto na forma como no conteúdo.

A começar pela eliminação de Wanessa Camargo. Eu não acho que ela deveria ser eliminada, porém também não discordei da decisão do momento. É claro que foi péssimo para o jogo, mas foi ótimo para a própria Wanessa — e, a partir do momento em que o BBB decidiu colocar celebridades dentro do programa, ele está suscetível a essas pressões de diversas assessorias poderosas sobre a forma como tratar seus clientes. A edição arrumou a desculpa perfeita para a retirada da Wanessa do programa e usou ela a seu favor. Tá tudo bem, isso acontece.

O problema dessa decisão é que ela abre um precedente delicado: se aquilo é considerado agressão, então outras coisas tão leves quanto também o devem ser. Os diferentes pesos adotados para diferentes atos confundem não só quem está lá dentro jogando, mas também o público que está aqui fora assistindo, que tinha certeza que outros dois participantes seriam expulsos após um desentendimento que resultou em um contato agressivo muito mais evidente e intenso do que aquele que tinha eliminado a Wanessa Camargo alguns dias antes.

O pior ainda são as informações desencontradas que os próprios participantes receberam. Após serem notificados que a única coisa proibida seriam agressões físicas e após ter sido liberada de jogar as roupas de outro participante na piscina pela própria produção, uma das jogadoras recebeu uma bronca assertiva do apresentador Tadeu pelo ato. Afinal, pode ou não pode?

“Não é esse o BBB que a gente quer ver aqui fora”, disse Tadeu mais de uma vez para os participantes. A única explicação possível dessa fala é uma pressão dos anunciantes, já que esse é sim o BBB que todo mundo quer ver aqui fora: quanto mais briga, quanto mais polêmica, quanto mais ação, quanto mais confusão, melhor. Não à toa que as dinâmicas do programa tendem a levar os jogadores para o conflito: é a forma de movimentar o jogo. Qual a lógica de incentivar esses embates em um momento e simplesmente induzir os participantes à paz imediatamente depois?

O conteúdo não faz sentido e a forma foi péssima. As broncas do Tadeu na metade favorita da casa eram tão mais leves e sutis do que na outra metade que todos os jogadores entendram logo no meio do jogo quem era o time que ia levar o prêmio. Faltando três semanas para o fim do programa, os participantes já estavam desanimados e o público também: pelo menos foi quando eu decidi parar de assistir o BBB 24.

Honestamente, foi uma ótima edição enquanto ela durou. Uma pena que tenha acabado tão prematuramente, semanas antes de seu fim.

Os próximos BBB

Para os vindouros anos de programa (que não deve acabar tão cedo, sendo ainda imensamente lucrativo para a emissora e incrivelmente popular para o país em geral), mudanças urgem. A alta cúpula do programa sabe disso e, honestamente, vêm tentando trabalhar: a adoção do voto por CPF foi bem-vinda (mas não deu certo) e houve um certo esforço em continuar com os quadros de humor que, com a saída do genial Paulo Vieira e da excelente Dani Calabresa, perderam demais e não engataram. A comédia precisa voltar ao BBB urgente no ano que vem.

E os diversos erros da produção não podem se repetir. Após simplesmente vazarem a existência de um quarto secreto no BBB 23, a equipe do programa tomou um maior cuidado na parte técnica, mas a parte administrativa e de comunicação falhou demais este ano. Adotando certas regras e depois mudando completamente de idéia, ou aplicando punições leves demais em alguns casos sérios e pesadas demais em outros menos polêmicos, eles erraram demais em muitos momentos do programa. A prova da qualidade do elenco foi a edição ter se sustentado por tanto tempo mesmo com tantos erros grotescos internos.

E o Tadeu precisa de um pouco mais de ânimo e controle. Em diversas vezes ele perdeu a autoridade sobre seus participantes e tornou o programa difícil de digerir, como ver um professor de escola pública tentando com fracasso trazer a ordem a um bando de alunos baderneiros.

No final, mesmo que um pouco de esmero não torne o programa mais justo ou o jogo menos previsível, pelo menos pode tornar o programa melhor por mais tempo. É só isso que queremos, a televisão não precisa de justiça, ainda mais em um programa que visa copiar a própria vida.

Autor:
Barão do Principado de Sealand. Com uma inexplicável paixão por cinema, cervejas e queijos.