SALADA CAPRESE reviews à bolonhesa

A história da produção de Piratas do Caribe

As brigas internas de uma das melhores aventuras de todos os tempos

A atração de Piratas do Caribe estreou na Disneyland, em 1967. Foi a última atração cuja construção e implementação foi acompanhada por Walt Disney em pessoa. Talvez por isso, há algo de especial nela, que gera um amor desmedido por parte dos milhares de visitantes que os parques têm todos os dias. Seja os animatronics bem feitos, as cenas cuidadosamente pensadas, a música que gruda em seu cérebro por horas, ou a imersão que estar num barquinho vendo tudo aquilo.

A pirate’s life for me!

Sempre houve uma paixão tão grande em torno da atração que parecia arriscado à Disney mexer nela. No começo do século, tudo na produção de um filme de Piratas do Caribe parecia contra-intuitivo: a empresa vinha de prejuízos consecutivos com a criação de filmes baseados em seus brinquedos (The Country Bears tinha sido um fracasso e tudo indicava que The Haunted Mansion seguiria o mesmo caminho), piratas não eram uma temática interessante na época, e a Disney ainda estava tentando focar em obras para um público mais infantil.

A história de como a diretoria da Disney foi enganada para poder financiar o melhor filme de aventura desde Jurassic Park, com lutas de espadas, mocinhos bêbados, caveiras aterrorizantes e um protagonista anti-heróico é, por si só, um trabalho digno de uma tripulação de um navio pirata. Visionários disruptivos que usaram de artimanhas contestáveis para trazer Jack Sparrow à vida.

A geração sem piratas

O fracasso de A Ilha da Garganta Cortada, em 1995, foi tão monumental que soterrou o gênero pirata nos cinemas por quase 10 anos. Para os jovens nascidos no final dos anos 80 (como eu), a principal referência pirata era o limpinho e engomadinho Guybrush Threepwood, da icônica franquia de jogos Ilha dos Macacos.

A Ilha da Garganta Cortada é bom na minha memória

Mas piratas são notoriamente sujos, maquiavélicos, gananciosos, bêbados e trapaceiros. O completo oposto do bom-mocismo que a Disney quer para seus filmes. Personagens de moral incontestável e banho tomado era provavelmente o que tinha no roteiro da primeira versão do filme, escrito por Jay Wolpert, naquela leva de filmes baseados em brinquedos da Disney que Dick Cook, co-chefe da Disney Studios, tinha encomendado na época.

Numa conversa com o produtor Jerry Bruckheimer, Cook comentou sobre o roteiro. “Você não vai se empolgar, mas dê uma lida”, teria dito o chefão. O projeto inicialmente era um filme barato, para ser lançado direto em home-video. Mas em uma reunião sobre se a Disney deveria investir em Mestre dos Mares, um filme de batalha naval com o Russel Crowe (que a Disney passou, acabou nas mãos da Universal), Dick Cook lembrou do projeto e decidiu que talvez seria uma boa oportunidade investir em barquinhos.

Chefão Bruck

Tal qual previsto, Bruckheimer não se animou com a história: “não é um filme que eu iria ver no cinema”.

O produtor, porém, tinha uma carta na manga: ele conhecia dois roteiristas que eram muito entusiasmados com o gênero de piratas. Não só isso, mas esses roteiristas tinha acabado de escrever um filme infantil de sucesso. Muito além disso, esses mesmos roteiristas já tinham apresentado meses antes uma idéia de filme de piratas à Disney, que tinha sido recusada. Eles eram Ted Elliot e Terry Rossio, que tinham acabado de lançar Shrek, simplesmente um filme feito para provocar e tirar sarro da Disney. A ousadia de Bruckheimer começava aí, mas ia atingir níveis que os estúdios Disney nunca tinham visto antes.

Os roteiristas reescreveram o projeto com uma nova idéia: piratas amaldiçoados. Eles pareceriam os sujos vigaristas de sempre, mas se transformariam em esqueletos à luz da lua. Ele avisou Dick Cook que havia uma proposta para adicionar um elemento sobrenatural na história. Com entusiasmo renovado, Bruckheimer se manteve disruptivo na escolha do diretor: Gore Verbinski, um guitarrista de rock que tinha dirigido o filme de terror The Ring e o clássico da sessão da tarde Um Ratinho Encrenqueiro. O nome de Jerry Bruckheimer na produção garantia que seria um filme de grande orçamento. Se o filme fosse mal, seria um fracasso monumental. O alto risco da empreitada conquistou Gore.

O único Jack Sparrow possível

Se a Disney imaginava um pirata nos moldes de Errol Flynn, a escolha de Bruckheimer para o papel principal não poderia ser mais distante: o boêmio irreverente Johnny Depp. O ator foi inicialmente bem resistente com a possibilidade de trabalhar para a certinha Disney, que representava tudo o que ele não era.

“O que podemos fazer para aterrorizar o estúdio?”, perguntou Depp.

“Piratas são sujos e nojentos”, o diretor Verbinksi respondeu em uma reunião com o ator em Londres, encorajando Depp a usar sua imaginação.

A primeira idéia do ator era fazer um personagem sem nariz. O alto custo de algo tão ousado era quase proibitivo, mas ninguém julgou e Depp começou a incorporar trejeitos de um Keith Richards bêbado (o único Keith Richards possível). Era óbvio que ele estava animado. Depp fechou um contrato com um valor modesto (para um protagonista) e uma participação de bilheteria.

O Príncipe

O contraponto de Depp seria o herói romântico. Com o sucesso recente de O Senhor dos Anéis, a austeridade do elfo Legolas parecia perfeita para vender o filme. Não vendê-lo para o público, mas sim para a própria diretoria da Disney. Eles jamais aceitariam um protagonista anti-herói sujo e trapaceiro, então o papel de Will Turner era o do herói bonzinho e, supostamente, o personagem principal do filme.

O herói (depende de quem vê)

No fundo, todo mundo sabia que não seria assim. Tanto que Will contrasta em praticamente tudo com o resto da tripulação: bêbados, sujos, piratas sem língua e olhos de vidro. Mas um galã convincente o suficiente para fazer a Disney abrir os cofres. Geoffrey Rush aceitou o papel do vilão traiçoeiro e encantador. E, completando o time, uma Keira Knightley de 17 anos tão discrepante com o resto do elenco principal que a atriz relatou ter certeza que ia ser mandada embora. “…eu tinha levado apenas uma babagem pequena porque eu estava muito convencida que eu seria despedida [do filme]…”, disse ela posteriormente.

Abrindo a carteira do Mickey

Com tudo acertado, o produtor Jerry Bruckheimer foi à luta para a parte mais difícil: convencer o presidente da Disney, Michael Eisner, a investir 120 milhões de dólares no filme. Ele juntou um arsenal de storyboards, desenhos de produção com esqueletos debaixo d’água e portos de piratas e apresentou tudo ao chefe.

“Porque tem que ser tão caro?”, perguntou Eisner.

“Seus competidores estão gastando ainda mais: 150 milhões por filme em franquias como Matrix e O Senhor dos Anéis. E eles estão dominando a bilheteria”, respondeu Bruckheimer.

“Filme de parque temático é uma desvantagem”, Eisner concluiu, “vamos tentar afastar um pouco este filme da atração”

Mal sabia o presidente da Disney que era exatamente isso que já estava ocorrendo. O Jack Sparrow de Johnny Depp não poderia ser mais diferente dos piratas inofensivos (mas fofos) do brinquedo.

E isso estaria claro já nos primeiros dias de produção.

A produção disruptiva

Por insistência de Johnny Depp, a primeira leitura de roteiro do filme não aconteceu nos escritórios da Disney. Foi na discoteca sem janelas Viper Room, em Hollywood, com pouca luz e um cheiro constante de cigarros e álcool. O elenco e produção pareciam se divertir com o desconforto dos executivos sempre certinhos da Disney.

A aparência de Jack Sparrow, com dentes de ouro, barbicha e delineador também incomodaram. O produtor Brigham Taylor ordenou uma limpeza no personagem.

“Não!”, Johnny Depp protestou. “Você faz o seu trabalho, este é meu trabalho. Aqui é o meu círculo e você não é bem-vindo em meu círculo.”

“Nós queremos só que o público veja mais de você!”, tentou Taylor diplomático.

Ao final, a produção concordou em limpar um pouco o visual de Jack Sparrow, mas não cumpriu a promessa.

“Nós contratamos o ator mais sexy da atualidade e ele se parece com isso?”, teria reclamado Michael Eisner, ao ver as primeiras prévias. “O que nós estamos fazendo com nosso dinheiro?”. O presidente também estava incomodado com os maneirismos e gestos de Sparrow, que pareciam muito afeminados. O personagem parecia ter um esteriótipo excessivamente gay, que preocupava os executivos engomadinhos.

Brigas e mais brigas

O clima já não estava bom quando o budget (obviamente) estourou. O valor do filme era agora de 150 milhões de dólares. Gore Verbinski teve que lutar para manter na produção a batalha de dois navios em alto-mar. Mas ele mesmo não podia lutar tanto: Ao menos quatro vezes ele esteve perto de ser despedido.

Michael Eisner também estava preocupado com o título do filme. O temor era que usar Piratas do Caribe podia manchar a imagem da atração. E também levar às salas de cinema um público infantil, que não iria gostar do filme. Sem conseguir mudar o nome, o ele decidiu incluir o subtítulo “A maldição do Pérola Negra”. Isso gerou protestos não só entre o elenco, mas até mesmo na diretoria da Disney. Afinal, Pérola Negra era só o nome do navio e não tinha a ver com a maldição dos piratas.

Os protestos foram em vão: Eisner estava irredutível. No final, o subtítulo chegou aos pôsteres com uma fonte tão pequena que muitos nem lembram do nome completo do primeiro filme.

O Sucesso

A empolgação do estúdio era tão baixa com o filme que sua estréia foi numa inusitada quarta-feira, 09 de julho. Inusitada por ser uma quarta-feira (nos EUA, as estréias costumam ser às sextas), mas também por ser logo depois do feriado de 04 de julho. Normalmente os grandes blockbusters do verão são lançados antes do dia da independência para aproveitar a audiência do feriado. Parece que a Disney confiava tão pouco no sucesso da produção que nem quis torná-la o lançamento oficial do verão.

Mas o filme chegou com um estonteante sucesso de crítica. O público foi descobrindo o filme, que teve uma passagem nos cinemas não usual: normalmente blockbusters fazem mais dinheiro nas primeiras semanas. Piratas do Caribe, porém, teve um final de semana de estréia razoavelmente bom, mas com uma bilheteria posterior em crescimento. O filme acabou ficando incríveis doze semanas entre os cinco mais assistidos.

Why is the rum gone?

No final, ele faturou US$305 milhões no mercado americano e mais US$348 milhões internacionalmente.

Depois da produção conturbada, ninguém mais duvidava da visão de Bruckheimer, Verbinski e Depp: a Disney correu para assinar o elenco principal para dois outros filmes. E eles seriam gravados simultaneamente, com um bom orçamento.

Dessa vez, ninguém na diretoria da Disney ousou discordar.

Fontes:

Livro DisneyWar, de James B. Stewarthttps://amzn.to/49YQ42d

Autor:
Barão do Principado de Sealand. Com uma inexplicável paixão por cinema, cervejas e queijos.