SALADA CAPRESE quer ketchup?

Silvio

Em um dos primeiros Achismos, do Mauricio Meirelles, ele entrevistou o comandante Diógenes Luca, negociador de sequestros do Gate. Luca gasta um tempo no tópico que ele certamente mais respondeu em sua vida: como foi mediar o sequestro do Silvio Santos. Nessa entrevista, Luca confirma uma informação que um dos roteiristas do filme “Silvio”, que estréia dia 12 de setembro, compartilhou durante a coletiva de imprensa do filme: Foi um caso único da história do Gate, onde a negociação a respeito do sequestro foi feita com o refém e não com o sequestrador.

Não se pode esperar menos de Silvio Santos; de forma irrefutável, o maior nome da história da televisão brasileira. O apresentador conhecido por todos os brasileiros e amado pela maioria, tem uma vida extremamente interessante que já foi abordada diversas vezes em diversas mídias, em livros, podcasts, revistas, séries, e até tema de escola de samba.

Mesmo com tanto a se falar, o filme acaba focando em um capítulo bem marcante de sua história: o sequestro do apresentador por Fernando Dutra Pinto, que foi acompanhado ao vivo pela televisão. Não para mim; lá no segundo ano do Ensino Médio, a mãe do Carrara (a única pessoa que eu conhecia com um celular na época) ligou para ele para avisar que o sequestrador tinha invadido a casa do Silvio e ele passou a manhã toda de aula gritando “VÃO MATAR O SILVIO SANTOS”, e eu não sabia se acreditava nele ou não, porque o Carrara gostava de pregar peças de vez em quando. Eu saí da escola a tempo de acompanhar o desenrolar final do sequestro, que durou mais de sete horas e terminou com a chegada do governador (atual vice-presidente) Geraldo Alckmin.

Curiosamente, essa é a parte interessante do filme. É claro que o roteiro só consegue especular a forma como Silvio Santos teria tomado controle da situação, mas faz isso de forma crível, se baseando nos depoimentos dos policiais, nos fatos posteriormente contados e, em seus momentos de diálogo mais fracos, em referências à própria vida televisiva do sequestrado.

Silvio não é essa bomba toda que a internet julgou lá atrás, quando ele calhou de lançar o trailer do filme no mesmo dia em que foi divulgado o trailer do filme do Coringa 2. O filme é até sólido, e a química de atuação da dupla principal funciona bem. Rodrigo Faro, uma escolha discutível para o papel, acaba fazendo um bom trabalho, com uma interpretação contida, mais jogada para o Senor Abravanel do que para o Silvio Santos. Uma pena que a maquiagem é péssima e, em certos momentos mais dramáticos, a prótese acaba chamando mais atenção do que o ator.

Essa diferenciação entre a figura pública e o homem de família foi, de acordo com o próprio ator, a parte mais difícil da autação. Na coletiva de imprensa do filme, Rodrigo Faro quase não conteve as lágrimas ao lembrar do Silvio Santos, usando várias vezes verbos no presente para se referir a ele. “Senor Abravanel morreu, mas o Silvio Santos vai continuar para sempre“, disse ele depois de um desses atos falhos. Repetindo diversas vezes a palavra “prosódia“, Faro conta como teve que fazer um trabalho oposto ao dos atores que interpretam uma personalidade real: ao invés de exagerar nos trejeitos, ele teve que conter sua imitação. Porque, como Silvio é provavelmente a pessoa mais imitada do Brasil, ele tinha que diminuir os cacoetes vocais e físicos, para tornar crível a intimidade do homem.

Faro também contou a história de como foi pessoalmente pedir autorização ao homem do Baú para interpretar Silvio. E os produtores ratificaram a história, contando outras situações em que, ao falar do filme para Silvio Santos, ele respondera imediatamente que não autorizava a obra. “Não autorizo“, teria dito Abravanel, “Mas não desautorizo. Só não pegue nenhum ator meu e nem me peça dinheiro“, contou um produtor rindo. “Não vou assinar nenhuma autorização de nada. Não vou processar vocês, podem ficar tranquilos, mas não assino“.

Todos lamentaram muito o fato de Silvio ter morrido antes de ver o filme pronto, que deveria servir como uma grande homenagem. Não sei se Silvio teria gostado: a obra não poupa críticas à forma como ele tratou sua primeira esposa (Cidinha, já falecida) e suas duas primeiras filhas, ocultando a existência delas para tentar preservar uma imagem pública de galã. Isso é uma das poucas partes positivas quando o filme se mete a fazer flashbacks para contar a história de Silvio. Com o núcleo do sequestro mais interessante e funcionando tão bem, esse contexto histórico parece desnecessário – e não ajuda em nada o filme a montagem extremamente piegas da fuça dos atores indo e vindo, lembrando de acontecimentos passados.

Mas mesmo o núcleo do sequestro não se salva por completo, com algumas decisões de roteiro fraquíssimas, principalmente nas cenas que tentam explicar o surgimento do governador na casa de Silvio.

No fim, nada disso torna o filme tão horroroso quanto a internet fatalmente vai dizer que é. Eu já falei para minha mãe que ela pode ir ver o filme tranqüila que ela vai gostar. As mães e avós de vocês vão gostar também. Aproveitem e levem as velhas no cinema.

Autor:
Barão do Principado de Sealand. Com uma inexplicável paixão por cinema, cervejas e queijos.