Eu não poderia falar de Divertidamente 2 sem falar da minha experiência com o primeiro filme. Por isso eu escrevi um texto só sobre isso, vai lá ler que eu espero.
Quase dez anos se passaram desde a primeira película. Muita coisa aconteceu: a Pixar não é mais aquele poço de inovação de outrora, a animação evoluiu o suficiente para se tornar lugar-comum e as últimas melhores obras do estúdio foram direto para o streaming. É praticamente outro mundo que recebe a continuação de uma das melhores animações já feitas.
O peso do passado
Infelizmente eu não gostei de Divertidamente 2. Mas eu estou completamente ciente que isso não é culpa do filme, mas sim da imensa responsabilidade que ele carrega de vir depois do primeiro filme. E ele simplesmente ignora essa responsabilidade e quase ignora que o primeiro filme existiu. A começar pela história, que é exatamente igual à primeira, como se a protagonista (Alegria) não tivesse aprendido lição nenhuma durante o primeiro filme.
É de novo uma aventura pelos cantos mais profundos do cérebro atrás de alguma coisa que eles precisam levar de volta pra cabine de comando enquanto os sentimentos que sobraram por lá causam altas trapalhadas em Riley.
O pior ponto, porém, são as novas emoções, que fazem pouco ou nenhum sentido com a mensagem final do primeiro filme. Se é estabelecido que novas e complexas emoções podem surgir da união das cinco emoções básicas, então personificar esses novos sentimentos é um retrocesso. O que é ansiedade senão a mistura do medo com a tristeza? A inveja não passa de um misto de raiva com alegria. O tédio tem sua dose de tristeza (ele é até um tom parecido de azul), a vergonha devia ser pelo menos 80% medo e a nostalgia, como já foi estabelecido posteriormente, é um misto de tristeza e alegria.
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Com esses novos personagens em jogo sobra pouquíssima coisa para as emoções básicas fazerem, e elas realmente não fazem nada. Nada. Raiva, Inveja e Medo se tornam completamente inúteis no filme, simplesmente seguindo as protagonistas pra lá e pra cá.
O lado bom da vida
Se diversos filmes têm um conceito excelente e uma execução ruim, Divertidamente 2 vai na contra mão, com um conceito fraco e uma ótima execução. A animação não só tem a competência habitual como se permite ousar em alguns estilos, sem perder a coerência narrativa. Nesse ponto, é bom ver que a Pixar assistiu Spiderverse e está lentamente correndo atrás de uma animação mais artística. É uma pena (para eles) que esse movimento pareça hoje apenas fazer uma cópia das técnicas de renderização de outros filmes. Se a empresa foi um dia pioneira, hoje ela apenas segue tendências.
O filme também toma um certo tempo em apresentar alguns novos elementos interessantes como as linhas de convicção: linhas que vêm do âmago de nosso cérebro e em cima das quais é construída a árvore de auto-conhecimento, que seria como a pessoa se enxerga. Quando essa idéia é mostrada em tela, eu esperava que fosse melhor explorada, como surgir algum acontecimento que desafiasse uma convicção pré-estabelecida de Riley. Mas isso, infelizmente, também não acontece: primeiro porque a personagem é uma adolescente, jovem demais para desafiar suas próprias convicções. Segundo porque, em tempos atuais, ninguém muda de idéia, ninguém quer ter que cortar uma dessas linhas de convicção e começar uma do zero de novo, imagina entregar essa lição para o público, não ia dar certo.
Continuando no lado positivo, a mensagem do filme, quando chega, é bonitinha. A ansiedade tem um grande momento no filme (apesar de eu continuar achando que ela não devia ser um sentimento personificado) e o arco da Riley no mundo real é realmente interessante.
Uma pena que ele venha como continuação de um filme tão bom. Pelo menos 70% dos problemas aqui mostrados sumiriam se o primeiro Divertidamente não fosse um filme à beira da perfeição.
O sentimento que fica é um misto de raiva com tristeza. Não é nada de inveja ou tédio, esses sentimentos babacas que surgiram aí.