Poucas relações são tão amorosas e duradouras quanto a Europa e suas batatas. Nem os asiáticos têm com o arroz esse fascínio bonito que esse pessoalzinho de passado feudal têm com o tubérculo. Exclue-se da lista, evidentemente, a Itália, que ama demais suas massas, e odeia todo o resto; mas a gente pode nos ater à parte mais bem-civilizada da Europa.
Batata é a base da culinária inglesa. Supondo aqui que a Inglaterra tenha uma culinária, o que ninguém consegue provar. Os países germânicos (carinhosamente apelidados de Kartoffelland) têm na batata o acompanhamento perfeito para o chucruts e seu salsichão. Ou, no caso da Áustria, vai junto com seu Wiener Schnitzel. A batata frita é um dos orgulhos belgas, e sim, elas são belgas, os americanos só chama de french-fries porque durante a guerra eles viam esse pessoal falando francês e comendo batata frita e achavam que era coisa de quem não toma banho. A França, aliás, que gosta tanto do vegetal que tenta roubar a criação da batata frita para ela. Do lado do leste europeu, batata é comida e bebida, com a velha dúvida soviética “devo comer esta batata agora ou esperar fermentar e bebê-la?”. Tal qual a Irlanda, que consome tanta batata que, lá pra 1845, um fungo atingiu a produção de batatas do país em um evento que ficou conhecido como “A Grande Fome”, já que eles só perceberam aí que era só que eles comiam.
A batata nem é originária da Europa, foi levada das Américas pelos espanhóis no século XVI. Apesar disso, ela demorou para cair no gosto popular europeu: os aldeões não se apeteceram tanto em comer um alimento “sujo” que vem de debaixo da terra. Quando a fome começou a apertar na Prússia do século XVIII, o rei Frederick, o Grande distribuiu sementes gratuitamente para o povo plantar; mas nem assim a plebe se entusiasmou cou a idéia. Então, em uma genial jogada de marketing, o rei mandou plantar batatas no jardim do palácio e colocou guardas para tomar conta de sua plantação. O povo foi roubar as batatas do rei e assim o alimento se popularizou.

Isso porque o tubérculo é um alimento que dá sustância, fácil de plantar, moderadamente resistente à pragas e que nasce em qualquer terreno. Após a Segunda Guerra, os alemães plantavam o tubérculo em qualquer pedaço de chão que poderiam, para combater a fome da derrota militar.
Não é de se estranhar que o dinamarquês Mads Mikkelsen veja no tubérculo a solução de todos os seus problemas. O épico Bastardo foi o filme dinamarquês escolhido para representar o país no Oscar 2024. É uma excelente escolha: o filme é bonito, dramático, com excelentes atuações e um vilão insuportável, do jeito que um vilão deveria ser. O roteiro é legal, me deu raiva e entusiasmou em grandes proporções, também como um roteiro deve ser. Nesse ponto ele até me remeteu um pouco a “Pilares da Terra”, livro que eu terminei de ler recentemente. Só é fantástico que a Dinamarca, minúscula do jeito que é, tenha tido tanto problema de terra desocupada.
A solução é a mesma até hoje: mete o Mads Mikkelsen que o povo vem.