SALADA CAPRESE tomates sempre frescos

Encontro com o Ditador

Em 2023, realizei o sonho de conhecer Angkor Wat, o gigantesco complexo religioso hindu/budista (sim, é um pouco de cada religião, o negócio é meio complexo) que fica em Seam Reap, no Cambodja. Além do deslumbramento com o tamanho e a beleza do local também fiquei surpreso com a história do país. A cidade de Seam Reap, por exemplo, tinha uma população de quase um milhão de habitantes no século XIII.

Um milhão de habitantes! Só essa concentração urbana tinha quase 1/3 da população de toda a Inglaterra[fonte] da época. Como é possível que a região próspera e lotada do sudeste Asiático perdeu a corrida pela dominação mundial para esse monte de branco gripado?

Ainda que eu não tenha encontrado uma resposta para essa questão, a região sofreu demais no século passado. Em outra lição histórica dolorosa dessa viagem, aprendi sobre o Khmer Rouge e seu reino de terror.

Khmer Rouge

O grupo comunista revolucionário cresceu nas entranhas selvagens do Cambodja na década de 60 e, através de um golpe e uma revolução armada, chegou ao poder em 1975. A partir daí, começou um reino de terror baseado nos princípios mais comunistas possíveis. Extinção de dinheiro. Dissolução de famílias. Ausência de propriedade privada. Trabalho forçado no que o estado quiser que a pessoa trabalhe. Morte à burguesia.

Tudo isso parece horrível (para uma pessoa sensata, porque tem realmente muito comunista lutando por essa realidade), mas o ponto realmente macabro do domínio comunista foi a “morte à burguesia”.

No começo, parecia o governo dos sonhos da extrema esquerda: tirar os ricos de suas casas e matá-los. Porque foi exatamente isso que o grupo fez assim que chegou ao poder. Mas o que eles não esperavam (e que soa meio óbvio) é que, ao matar a elite, a elite continua existindo, composta daqueles que eram o segundo grupo mais rico da sociedade.

A solução foi matar esse grupo também. E depois o próximo, e o próximo, e o próximo, e assim por diante. Com a extinção do dinheiro, a definição de “elite” ficou ainda mais vaga. Como quem tinham os melhores salários eram as pessoas que tinham um emprego que necessitava de mais estudo, como engenheiros, esses foram os primeiros a serem exterminados. Depois, sem engenheiros para matar, o grupo seguiu na onda de matar aqueles que eram considerados “intelectuais”: professores, qualquer pessoa que falasse uma língua estrangeira, ou até mesmo quem usasse óculos (reza a lenda), uma vez que aparentemente só os alfabetizados usavam óculos.

Nessa palhaçada, elite atrás de elite, uma morte à burguesia atrás da outra, o Khmer Rouge exterminou estimadamente entre 1.5 milhão e 2 milhões de pessoas. Isso era equivalente a 25% da população do Cambodja na época.

Pol Pot

E, como todo regime comunista, o Khmer Rouge também era liderado por um sanguinário ditador: Pol Pot. Um nome tão legal, que parece ser um pré-requisito para um ditador filha-da-puta: tal qual Stalin, Hitler, Salazar, Idi Amin Dada (meu favorito), Mao, Kin Jong Un, Fidel Castro, Napoleão Bonaparte, ou até Lenin, que é um baita nome.

A queda do Khmer Rouge se deu em 1978, quando eles invadiram o Vietnam por pura precaução. Como os Estados Unidos já tinham aprendido alguns anos antes, com vietnamita não se brinca, e o contra-ataque culminou no fim do governo genocida. Pol Pot inicialmente se isolou para reestruturar seu poder, mas nunca mais conseguiu o domínio do país. Ele morreu em 1998, aos 72 anos, uma morte tranquila. Filho da puta.

A reestruturação do Cambodja contou com a ajuda de um dos melhores brasileiros que já existiu: Sérgio Vieira de Mello. Ele negociou diretamente com o Khmer Rouge a repatriação de diversos exilados que desejavam voltar às suas casas.

O filme

Verdade, tem o filme, né?

Todo esse contexto ajuda muito na hora de assistir Encontro com o Ditador (no original “Rendez-vous avec Pol Pot“). O filme não se preocupa muito em explicar toda a situação, apenas jogando um fato ou outro no meio dele para que a audiência saiba mais ou menos o que está acontecendo. Eles citam o assassinato de intelectuais, mas nunca detalham os motivos. Mas isso não é um problema e acredito que, mesmo sem essa história toda, é possível entender completamente o filme.

O filme é pouco acima de mediano. Porém, é uma obra tão barata que abusa do uso de cenas em maquete, como se o orçamento da película tivesse estourado e o diretor precisou de uma solução de emergência para terminar o filme. Ainda assim, é sempre bom ver uma adaptação cinematográfica de eventos tão importantes. E tão ignorados.

Autor:
Barão do Principado de Sealand. Com uma inexplicável paixão por cinema, cervejas e queijos.