“Torna-te quem tu és”, já diria Firedrich Nietzche. O filósofo alemão pregava que o comprometimento humano com o racionalismo podava o homem de abraçar os seus instintos vitais e viver a vida que o ser humano nasceu para viver. Dizia que há duas forças principais: a ativa e a reativa. A ativa seria os nossos impulsos e a reativa seria esses empecilhos babacas que nos impede de ser quem somos e fazer o que queremos – a tal da moral. Leis, regras, condições, julgamentos sociais, é tudo bobagem de força reativa que nos impede de sair pelado fazendo pirocóptero no supermercado Sonda.
As forças ativas deveriam, pois, buscar outra forma de se manifestar: pela arte, por exemplo. Seja uma pintura, uma escultura, uma música, ou uma simples história que o ser humano conta numa mesa do bar fingindo ser algo que ele gostaria mas as forças reativas o impedem; como, por exemplo, um matador de aluguel.
Aí que entra o protagonista de Assassino por acaso, um professor de filosofia que finge ser um matador de aluguel. Esse link entre a sinopse do filme e a filosofia seria genial, culto, e pedante em qualquer situação, mas é justamente citando Nietzchie que o filme começa. O roteiro, assinado pelo diretor Richard Linklater e pelo ator protagonista Glen Powell brinca muito com essas associações filosóficas, sem deixar a película jamais ficar entediante, mantendo diálogos divertidos (quem diria que o cara que fez a triologia Antes do amanhecer seria tão bom de diálogo, né?).
Nem só de Nietzchie vive o filme. Também tem bastante Freud. O personagem principal até desenha para a gente os conceitos de Ego, Superego e ID, justificando que o ID seria o equivalente às forças ativas, o desejo reprimido, sem o julgamento social; o Superego seria o equivalente às forças reativas, o julgamento da moral; e adicionando aí o Ego, que o filme trata como um meio termo, o equilíbrio entre o desejo e a razão.
Toda essa filosofia é passada disfarçada de romance disfarçada de comédia disfarçada de filme bom disfarçado com nomezinho de filme fraco de sessão da tarde (Assassino por acaso é uma péssima tradução do original Hitman, que já não é um bom título). O filme é uma delicinha e puta que pariu, que casal sexy do caralho que são Glen Powell e Adria Arjona. A química dos dois funciona que é uma beleza e o filme cai mais pro romance do que pra comédia – porém, quando a comédia chega, ela é de gargalhar.
No final, não só consolida Glen Powell como um baita ator de Hollywood como consolida Adria Arjona como uma puta atriz e uma baita gostosa (melhor não mexer com ela, parece que tá namorando o Jason Momoa). Também consolida filosofia como algo pop, eu recomendo muito que o Clóvis de Barros Filho vá assistir esse filme: tem moralidade, desejos reprimidos, julgamentos sociais e tesão, que é tudo o que o cara fala nas palestras e nas entrevistas antigas no Jô.
Já a vida do Nietzchie foi meio complicada. Ele lutou em guerras, caiu literalmente do cavalo, e tinha uma doença que lho afligia toda a vida e que ninguém sabia dizer o que era. Talvez fosse sífilis, talvez hemorróida. Mas o cara sofreu bastante e pensar tanto em tanta coisa deixou ele lelé da cuca. Dizem por aí que, pouco antes de morrer, ele leu “Assim Falou Zaratustra”, obra que ele mesmo escreveu. Mas o cara tava tão doidinho que supostamente esqueceu que ele mesmo tinha escrito, declarando: “Não sei quem é o autor deste livro. Mas, pelos deuses, que pensador deve ele ter sido!”.